domingo, 12 de junho de 2011

Manifesto de Delegado em reunião do IGESP

O texto abaixo foi escrito pelo Dr. Amarantino, Delegado de Polícia na Delegacia Regional de Paracatu/MG. É um retrato da situação da Polícia Civil de Minas Gerais. Vale a leitura:

Bom dia senhores,

Embasado no Estado Democrático de Direito em que nos encontramos inseridos, sentimo-nos fortes e seguros para podermos manifestar nossa profunda insatisfação com a atual situação caótica vivida pela polícia civil mineira, mormente a classe a qual pertenço – Delegado de Polícia.

Na atual conjuntura das informações disponibilizadas na internet é fácil constatar que as penúrias de nossa instituição não é mais um fato pontual. Alastra-se por todo o território mineiro e o que se vê é falta de pessoal, estrutura física, condições de trabalho e uma dependência patente dos órgãos municipais para uma prestação de serviços cada vez mais ineficientes e insatisfatórios à população.

À luz do CPP, o que é a autoridade policial? A resposta não pode ser outra senão “um super-homem”. Em breve síntese é nossa missão, tão logo tomada ciência do delito: comparecer ao local da infração, apreender objetos, colher todas as provas pertinentes, ouvir o ofendido, ouvir o indiciado, proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e acareações, determinar exame de corpo de delito e outras pericias, identificar o indiciado, verificar sua vida pregressa e presidir todas diligências possíveis à busca da autoria e materialidade delitiva. Deve a Autoridade Policial ainda tomar todas as declarações dos envolvidos, ditando ao escrivão e assinar todas as peças, em cada Inquérito, em cada APFD, em cada TCO, em cada AFAI, em cada Diligência Preliminar, enfim, em todos, todos mesmos, os procedimentos pertinentes a investigação de crimes comuns.

Não bastasse isso, o estado de Minas impõe aos seus delegados centenas ou milhares dessas diligências de uma só vez. O que já é quase impossível quando se trata de poucas ocorrências, ganha ainda mais conotação de crueldade quando se junta a isso a falta de seus auxiliares em todos os níveis (investigadores, escrivães, peritos, médicos legistas e administrativos).

Agregado a isso junta-se as mais distintas tarefas como: ser também delegado a desempenhar funções administrativas do DETRAN; ser diretor de presídios e ter suas atribuições estendidas a outras comarcas, recebendo por isso, quase nada, ou por que não dizer, nada mesmo.

Com relação a essas reuniões impostas pelo IGESP da qual participamos agora, outro nome não merece senão uma fraude. Usando de eufemismo, diríamos, um teatro.

Senhores, desses dados que acabei de apresentar, muito pouco eu sei. Pra ser mais realista recebi na tarde de ontem, um calhamaço para estudar e apresentar nessa manhã – claro que não tive tempo. Quem o fez foi uma colega escrivã, que na verdade é uma investigadora de polícia, desviada atualmente da função para qual prestou concurso e que nos seus finais de semana quando deveria estar de folga, cumpre uma escala de plantão para ajudar outra colega escrivã que muito provavelmente não dará conta de absorver todo o serviço alocado para nossa regional. Onde funciona a central de flagrantes.

Sinceramente com tantas atribuições, não temos tempo para mais essa lúdica tarefa. Não temos sequer homens para agrupar dados. Na maioria das vezes o que se vê aqui é uma maquiagem mal engendrada em que cada vez, mais e mais, somos obrigados a pactuar metas que no fundo sabemos impossíveis de serem cumpridas com os parcos recursos que temos.

Pacto significa acordo de vontades. Não tenho vontade de pactuar minha morte lenta. É... morte lenta sim. Morremos mais aceleradamente a cada dia na polícia mineira. Não dá pra desligar de um trabalho, do qual não nos afastamos nunca. São plantões e permanências que beiram a desumanidade. Recebendo o terceiro pior salário do Brasil e ainda sem ganhar nenhum adicional sobre essas árduas jornadas.

Hoje me pergunto: Será que estaríamos satisfeitos se o Governo nos desse de uma só vez 97% de aumento? A resposta me vem rapidamente: claro que não. Não queremos só dinheiro. Queremos colegas trabalhando ao nosso lado para dividir responsabilidades e podermos desempenhar nossa tarefa institucional. O que faria com um belo salário se, na verdade, remanesceria a falta de efetivo para poder elucidar crimes? Queremos na verdade dignidade.

Hoje a imposição – de cima para baixo – da integração das polícias é impossível de ser engolida por qualquer policial civil da base. A co-irmã polícia militar, não menos sofrida que nós, mas melhor estruturada, vem abarcando pouco a pouco nossas atribuições sem que nós lutemos por nossas prerrogativas. Talvez, até por reconhecermos que não temos condições de exercê-las por pura falta de mão de obra, meios e por óbvio motivação.

É cediço que em algumas cidades mineiras há mais policiais militares trabalhando à paisana investigando crimes do que investigadores da polícia civil. Isso, claro, entendemos é uma inversão de valores e uma tentativa ilegítima de fazer segurança pública pelo viés errado.

Fazendo uma analogia simples, seria como se o Juiz pudesse ofertar a denúncia pelo simples fato de não haver Promotor na cidade, ou vice-versa, o Ministério Público aplicar sanção, face a inércia do Magistrado.

A polícia militar mineira vem cometendo algumas aberrações jurídicas de representar por busca e apreensão, interceptação telefônica e até mesmo prisões cautelares. Atribuições privativas de Autoridade Policial (o Delegado) e do Ministério Público. Tudo isso com a tolerância cada vez mais crescente do judiciário e do parquet que argúem: “Se a polícia civil não faz, alguém tem que fazer”. Por óbvio, com o dispomos, jamais conseguiremos desempenhar o papel de polícia judiciária. Investigando crimes não elucidados no imediatismo dos flagrantes e possibilitando um inquérito, no mínimo, decente a supedanear uma condenação e consequentemente a retirada dos criminosos contumazes das ruas.

Hoje a visão que a sociedade mineira parece ter é a de que a prisão em flagrante é rainha das provas. Ora, operadores do direito – sabemos que isso nunca foi verdade. Ainda mais com o Estado garantista instalado na CF/88. Para corroborar isso basta tomar ciência da nova reforma no CPP, no que tange às prisões cautelares, trazida pela nova lei 12.403/11.

Ela vem ratificar a idéia de que investiga-se para prender, e não, prende-se para investigar, como acontece hoje com o fortalecimento da estrutura da polícia militar em detrimento da polícia civil.

Mas nos perguntamos: já imaginou se os magistrados resolvessem conceder somente à polícia civil o que já lhe é privativo na própria Constituição? Com certeza, um caos maior ainda. Se já não damos conta do elementar, quiçá daríamos conta de requerer e cumprir todas essas cautelares cada vez mais usurpadas pela Polícia Militar.

Em síntese, estamos pedindo socorro. O movimento começado nos últimos dias é irreversível. Juntos podemos gritar mais alto. Temos que ser ouvidos por alguém.

Como numa relação entre pai e filho, no qual a lei impõe àquele o dever de cuidar, mas nunca o de amar – nem todos nós estamos vestindo a camisa do Estado. Não por falta de caráter, mas por falta de respeito e dignidade.

A polícia civil ao longo dos anos foi quase que escravizada e obrigada a fazer mágica para cumprir metas utópicas e ouvir o Governo de Minas dizer com orgulho que tem uma das melhores polícias do Brasil. Não é verdade. Tudo que foi feito até hoje foi com sangue e suor de seus heróicos servidores.

Chegou a hora de, com respeito e propriedade a polícia civil dizer: Não estamos satisfeitos. Não temos condições de pactuarmos metas maiores, ao contrário disso, vimos a público dizer que desejamos pactuar metas muito menores, condizentes e proporcionais aos recursos que temos e ao salário que recebemos.

Somos policiais sim, mas antes de tudo somos seres humanos – nesse momento, incapazes de cumprirmos nossas nobres tarefas.

Gostaria que esse manifesto fosse constado em Ata e também levado a quem, do Estado, tem o dever de ouvir nossas manifestações, as quais doravante nem sempre serão só de “META CUMPRIDA”.

Um comentário:

Rodão disse...

CONTINUA...
Continuamos a fazer mágica...Tudo continua como antes...
Como se explica que um Delegado de Polícia que trabalhava 70, 80 horas para cumprir ou bater suas metas do ACORDO DE RESULTADOS continue a cumpri-las e mais, a batê-las trabalhando 40 horas?
Espero que alguém possa responder isso com sinceridade e sem escamação. Adianto: É por causa daquele salarinho a mais de outubro né????
13 jun (19 horas atrás) excluir
Rodney
TUDO CONTINUA COMO ANTES...
NO QUARTEL DE ABRANTES...
13 jun (19 horas atrás) excluir
Rodney
MAIS MÁGICAS...
A mágica que faz com que as metas dos delegados de polícia sejam cumpridas ou batidas mesmo trabalhando 40 horas semanais (metade do que trabalhavam) é da mesma espécie do que aquela mágica que faz os serviços de trânsito e bancas do detran também funcionarem 100%...Essa é a nossa polícia...Sinto-me um verdadeiro mané, mesmo tendo 27 anos de carreira, por ter acreditado por alguns dias que as coisas haviam mudado...
21:54 (10 horas atrás)
PIMENTA
Mestre,


No tocante as metas, concordo com vc. Péssima a ideia das metas. O trabalho (qualidade) piorou muito.
Vamos sugerir o fim de tal "acordo de resultados".
Ora? A qualidade do trabalho desempenhado em sua Regional não pode ser mensurada em número de inquéritos relatados.
Forte abraço.
08:13 (0 minutos atrás) excluir
Rodney
SERÁ???????
Olá Marcos, você é um bom policial, mas sinceramente não acredito que o SINDEPO vá abraçar essa ideia.
Por isso não acredito mais no "Movimento".
Tenho excepcionais delegados de polícia sob minha coordenação. Eles foram responsáveis por mais de quinze operações policiais de outubro/2010 e março/2011, com mais de sessenta presos e o mesmo tanto de bandidos escurraçados da cidade. São Sebastião do Paraíso nos é grata.
Mas mesmo assim os vi humilhados numa reunião no DPC (e eu por tabela) porque não bateram a metas do tal "Acordo de Resultados"...
Somente uma dessas operações, consumiu meses de escuta e campana...Centenas de páginas de um IP de grande complexidade, sendo que o delegado teve que ir ao fórum orientar o promotor nas denúncias...É isso...
Tenho certeza que muitos dos colegas que bateram "metas" o fizeram relatando IPS de furto sem autoria ou então "lavrando" TCOs, que geralmente são copiados dos BOs da PM por um funcionário da prefeitura.
Pra mim já deu Marcos. Eu e meu pessoal estamos fora desse "Movimento", até que surja alguém com "cojones" para lutar de verdade.